Os punks - A revolta pelo estilo: Aparência versus aparência (segunda parte)
Vogue britânica, 2009 |
Devemos dizer que se o futuro se parecia com eles, melhor para todos que não tivesse nenhum! Tudo neles fazia questão de ser sórdido, vicioso, baixo, perverso, degenerado, repugnante - “punk” em todos os sentidos do termo. Suas roupas esburacadas, rasgadas, laceradas como se saíssem eternamente de uma horrível briga de rua ou de algum atroz suplício medieval de esquartejamento - pendiam em farrapos de toda parte, grosseiramente remendadas com alfinetes de fralda, o símbolo que eles usavam espetados na orelha, pendurados nas narinas, às vezes através das bochechas, como esses amuletos rituais das antigas tribos.
Fonte desconhecida |
Os rapazes que em toda circunstância exibiam um sorriso sardônico que lhes deformava a boca, revelando uma marchetaria de tocos de dentes encardidos, repugnantes, armavam seus blusões com grossos pregos metálicos usando giletes enfiadas como colares no pescoço, pulseiras e munhequeiras nos pulsos, um ou vários cintos de couro preto com pregos formando anéis concêntricos sobre os quadris e mesmo até estranhas luvas eriçadas de pontas de aço afiadas como os gladiadores ou os carrascos medievais - como se deles ninguém pudesse se aproximar sem imediatamente corres o risco de se ferir. Verdadeiros “sonhos” ou pesadelos de “bárbaros”...
Londres, 70's |
As moças, exageradamente maquiadas, os olhos manchados por um rímel espesso de má qualidade e às vezes cercados por uma espécie de máscara de fantasma das histórias em quadrinhos, desenhada com lápis preto cremoso diretamente na pele, os lábios coloridos em púrpura ou azul sombrio e os dentes como que cheios de tinta, usavam corseletes e blusas decotadas de taberneiras de saloon ou de bordel, que comprimiam e realçavam o busto, minissaias tão curtas que revelavam a pele de suas coxas acima da liga que prendia as meias rendadas, grosseiramente tecidas e rasgadas em vários buracos irregulares. Todas se empoleiravam sobre saltos agulhas instáveis que usavam sem a mínima “feminilidade”, andando com largos passos ou cobrindo as pernas com espetaculares escarcelas de motociclistas de cor preta luzidia. Difícil ser ou parecer mais “vulgar” do que elas - pareciam ter saqueado a seção de lingerie de uma sex-shop.
Fonte desconhecida |
Os materiais de suas roupas eram pobres - tecidos sintéticos, skai, plástico ou borracha -, as cores berrantes e falsas - pretos, é claro, mas também vermelhos sanguinolentos, cremes fétidos e rosas murchos, extenuados, cor de prazeres torpes e contrariados - e os motivos dos estampados, deliberadamente baratos, eram um falso leopardo, uma imitação de tenda, um substituto de gaze; e elas usavam esses apetrechos com um ar de abandono atrevido. Era muito simples: tudo o que o “bom gosto” rejeitava, tudo o que a “moral” reprovava, tudo o que normalmente a razão dissuadia, via-se nelas e neles, os punks, num espetacular desejo de contradição, sistematicamente reavaliado, levado ao pináculo de seu universo e mesmo exemplificado - como se, invadidos por uma verdadeira vertigem de abjeção e de infâmia, eles só ficassem satisfeitos se sujando, se aviltando, tornando-se desconsiderados tanto para os outros quanto para si mesmos. Numa embriaguez infinita de mostrar seu lado sombrio, eles se faziam piores do que pudessem imaginá-los.
(continua)
Texto extraído do livro “A moral da máscara” de Patrice Bollon
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