Os punks - A revolta pelo estilo: aparência versus aparência (primeira parte)

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Londres, 1983


Eles levam até o absurdo as fronteiras habituais do Belo e do Feio, do Bem e do Mal, da Razão e da Loucura. Vendo-os perambular, de longe, em bandos pelas ruas de Londres, com os cabelos curtos penteados em porco-espinho com antenas pontudas arrepiadas em buquês sobre a cabeça e tingidas alternativamente em verde, amarelo e vermelho fluorescentes, e as dezenas, às vezes centenas de distintivos, medalhas, insígnias, adornos, broches, amuletos, anéis, imagens, nomes de grupos e slogans escritos com moldes ou pichados apressadamente e que constelavam e pendiam de seus blusões, transformando-os em verdadeiros totens vivos, tinha-se a impressão de ver alguma tribo surgida não se sabe de onde, num campo de uma guerra da qual somente eles saberiam a existência e a razão. Extraordinárias aparições, quase mutantes, meio reais, meio imaginários, para os quais convergia, feito gigantescos imãs, tudo aquilo que a sociedade habitual recalca, os fantasmas mais perturbadores e as referências mais pueris.



Suécia, 1977
Sua composição visual apoiava-se basicamente numa espécie de xadrez minimalista onde as únicas cores - ou melhor, ausência de cores - toleradas se limitava, aos tons de preto mais profundos, os mais “negadores”, e aos tons de branco mais violentos, mais ofuscantes, mais inexistentes, como reduzidos a um simples clarão, uma pura faísca, uma chama: negros luminosos eram seus blusões, suas calças ou seus macacões de couro, de skai ou de luréx; brancos brilhantes eram suas camisetas e suas camisas de náilon ou vinil que refletiam a luz como espelhos; crepusculares eram suas gravatas “fio de arame” que torciam cruelmente o pescoço e os grossos óculos de plástico atrás dos quais, noite ou dia, eles escondiam seus olhares; de um branco lívido finalmente eram suas peles de trogloditas urbanos que pareciam não ter visto um raio de sol há uma eternidade, pois fugiam de qualquer luz que não fosse artificial, odiavam qualquer claridade.


Suécia, 1977
As únicas manchas coloridas nesse conjunto monocrômico, que lhes dava um curioso aspecto de negativos fotográficos, eram seus cabelos, é claro, e aquela acumulação irrisória de toda espécie de objetos atrás dos quais eles desapareciam quase completamente para se transformar em espécies  de “ready-made” à Duchamp, espantosas esculturas humanas sobre as quais repercutiam e se sobrepunham na maior desordem os sinais mais contraditórios e os símbolos mais tabus: a suástica vermelha e preta nazista e distintivos soviéticos em cirílico; a cruz-de-ferro do terceiro reich com imitações grosseiras da ordem de Stalin; o retrato rasgado e mal colado da rainha ao lado de ícones pornográficos; o conjunto pontilhado de interjeições monossilábicas - “No”, “Chaos”, “Anarchy”, “Boredom” (tédio), “Hate (ódio), “War” (guerra), etc. - escritas com letras de fogo como nos filmes de terror, crucifixo e caveiras em metal escurecido, pequenos esqueletos articulados de plástico branco, bem como giletes, anéis, cadeados, chupetas e alfinetes de fralda amarrados como um rosário - em suma, tudo e qualquer coisa, pois eram dominados por essas palavras onipresentes declinadas em todos os tons e em todas as caligrafias possíveis e que constituíam seu grito de guerra: “No future”, não havia futuro naquela Inglaterra do final dos anos 70.


(continua)

Texto extraído do livro “A moral da máscara” de Patrice Bollon 


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